quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Origens de Paço dos Negros


           Existem em Paço dos Negros testemunhos que vêm da Idade do Ferro e do período dos romanos, sob a forma de cerâmicas, no primeiro caso, e do sopé de uma Ponte Romana e moedas, no segundo. No entanto, o primeiro registo documental deste lugar surge no século XVI pela mão de Damião de Góis, na Crónica de D. Manuel I, em que diz que este
fez de novo os Paços da Ribeira de Muja, por ali haver muita caça, montaria que há naquela comarca, nos quais mandou pôr todo o serviço necessário de mesa, cozinha, camas, leitos e roupas de linho para os que consigo levava”(Góis apud Vasconcellos, 1926: 4).
A própria interpretação deste excerto leva-nos a constatar que naquele espaço já existia qualquer estrutura anterior à ocupação manuelina.
            Por outro lado, em Paço dos Negros é sobejamente conhecida uma lenda, que atribui uma outra fundação a Paço dos Negros: a Lenda do Rei Preto. No início do século XVI eram comercializados escravos negros para Portugal e segundo o povo, um destes escravos vai ser amante de uma princesa, filha de D. Manuel I. Esta engravida, e o preto que a engravida, juntamente com o seu filho, é mandado degradado para o Paço Real da Ribeira de Muge (Cfr. Evangelista (2004)).
            À primeira vista tal lenda poderia ser considerada um simples mito, com uma base de verídica muito ténue ou até inexistente. No entanto, F. Vasconcellos (1926) cita um documento que nos deixa bastante intrigados, uma vez que prevê a atribuição de algum dinheiro a escravos e pretos, além da comunidade de escravos já existente, que passamos a citar:
« E 42$670 rs. ao almoxarife dos paços da Ribeira de Muja e escravos e filhos deles. – E 2$580 rs. mais ao dito almoxarife pera mâtimêto de hû escravo além dos outros. – E 2$00 rs. mais ao dito almoxarife pera corregimêto das ferramenta e compras doutras novas, e para canas, fio, thamiça.- e 2$580 rs. mais ao dito almoxarife para mântimêto e vestido e calçado da mulher preta, com que casou Diogo Lopes, preto»[1]. (Vasconcellos, 1926: 6).
            Deste modo, podemos afirmar que ficam envoltos em mistério as origens de Paço dos Negros. Será que a construção de um novo paço, a cerca de 15 Km. do Paço de Almeirim, teve como único objectivo a criação de uma residência de caça no meio das imensas matas entre Almeirim e Coruche? Ou pretendeu abafar um qualquer escândalo de envolvimento entre escravos e elementos da nobreza?

Bibliografia:
Vasconcellos, Frazão de (1926). O Paço dos Negros da Ribeira de Muge e os seus almoxarifes, in: Brasões e Genealogias. Lisboa: Tipografia do Comércio.
Evangelista, Manuel (2004). Lendas da Ribeira de Muge. S/l: Ed. Junta de Freguesia de Fazendas de Almeirim e Junta de Freguesia de Raposa.



[1] Sublinhado do autor.