segunda-feira, 31 de março de 2014

Cortes de Almeirim de 1544

Apesar de serem mais conhecidas as Cortes de Almeirim de 1580 (ver aqui), a primeira vez que se reuniram cortes em Almeirim foi em 1544, no reinado de D. João III. Estas tiveram início a 31 de Março, e a oração de abertura foi proferida por D. Sancho de Noronha, mordomo-mor da rainha D. Catarina de Áustria, e que viria a ser Bispo de Leiria (eleito em 1556).

D. João Manuel, Príncipe herdeiro jurado nestas cortes.

Um dos principais assuntos em debate nestas cortes foi o juramento do príncipe D. João Manuel, filho do rei, como herdeiro do trono. Este infante tinha à época seis anos e viria a morrer alguns anos depois, em 1554, ainda antes de seu pai, pelo que foi o seu filho, D. Sebastião, que efetivamente sucedeu a D. João III. Era prática comum nesta época tradição da continuidade dinástica através do juramento do herdeiro em cortes. Lopo Vaz, desembargador da Casa da Suplicação, professor de jurisprudência e retórica, era nestas cortes procurador de Lisboa. A sua intervenção, proferida já no dia 1 de Abril, tem um carácter essencialmente laudatório às virtudes do monarca, esperando que estas passem para os seus sucessores. Sobre o príncipe herdeiro, afirma que este “perpetuará enquanto o mundo durar sua linha direita legítima e descendente que será uma eterna paz e uma muito gloriosa bem-aventurança para estes reinos”, quase que com uma visão profética face ao que aconteceu com o fim da linha sucessória deste infante.

Para além disto, nestas cortes foi ainda lançado um pedido de impostos extraordinários de 200 000 cruzados solicitados pelo rei ao “povo miúdo”. Estes impostos destinavam-se a fazer face a uma série de despesas, nomeadamente as despesas militares com Marrocos, Brasil e Oriente, assim como os encargos relativos ao resgate com das Molucas e a alguns casamentos reais (tal como o da princesa D. Maria em 1543, com o príncipe Filipe de Espanha).

D. João III, Monarca reinante nestas cortes.

A então vila de Setúbal esteve também na ordem do dia destas cortes. Aqui deu-se o caso de pessoas que misturavam gesso com o vinho. Essa prática foi proibida pelo rei. Contudo, de nada valeu, visto que se continuou a fazer. Assim, nestas cortes o monarca diferiu um pedido em que “perdesse o vinho quem continuasse a estragá-lo, com a multa adicional de 200 réis, sendo metade para a câmara e a outra para o denunciante.” (Serrão, 2001: 302). Para além disto, também de Setúbal foi confirmada a ordem de poder ser comprado pescado ou sardinha para venda pelos vereadores, juízes e procuradores, sendo alargada “ao alcaide, meirinho, tabeliães e quaisquer outros oficiais de justiça e rendeiros da vila” (Serrão, 2001: 306).

Bibliografia e outras fontes:
MAGALHÃES, Joaquim Romero (1993). “As estruturas políticas de unificação”, in: MATTOSO, José (dir.), História de Portugal, vol. 3. S/l: Círculo de Leitores. (pp. 61-114).
SERRÃO, Joaquim Veríssimo (2001). História de Portugal: O Século de Ouro (1495-1580), Vol. III, 3.ª Ed. S/l: Ed. Verbo.

VAZ, Lopo (1544). Lhe lembrarei que é senhor dos mais limpos, leais, fiéis, verdadeiros, desengados e obedientes vassalos que debaixo do céu em toda a redondeza do mundo se podem achar

sexta-feira, 14 de março de 2014

III. O Paço desaparecido – nos 500 anos da conclusão do Paço Real da Ribeira de Muge

Uma parte substancial do Paço Real da Ribeira de Muge desapareceu. A parte desaparecida é talvez aquela que poderia ter um interesse maior: a parte residencial. Contudo, foram postos a vista os vários alicerces existentes. Castelo (2012) infere que é possível que o paço tenha tido apenas um piso, sendo por isso considerado uma construção térrea com “pequenos quartos com lareira e salões um pouco maiores, o que não sugere um ‘piso nobre’ e um ‘piso privado’” (Castelo, 2012: 10).
                                                          
 Aguarela que reconstituí o interior do Paço, de Maria Nélia Castelo.

Visto do pórtico de entrada, temos o pátio, à volta do qual corre um corredor à esquerda e em frente, o que sugere que seja esta a zona residencial (sendo a que mais desapareceu). Não existindo esse mesmo corredor à direita, e não nos esquecendo que as montarias e caçadas foram o principal e mais bem documentada razão para a construção deste paço, poderiam servir estes espaços para apoio a esta mesma atividade. Cavalariças, por exemplo seriam um espaço essencial à época, tanto mais que, não nos devemos esquecer, que o almoxarife que aqui tinha o seu ofício era obrigado a ter um cavalo, como referimos aqui

Aguarela que reconstituí o alçado sudeste do Paço, de Maria Nélia Castelo. São visíveis quatro bancos que se sabe que estiveram naquele local, ou que ainda lá estão.

Contudo, para além desta zona mais, digamos assim, residencial do paço, teremos de ter em consideração aquilo que se encontrava para lá dele. Em primeiro lugar, no alçado sudeste, virado para a Vala do Pomar, Castelo (2012) defende a existência de um corredor onde existiram vários bancos forrados a azulejos. Este possivelmente assentaria na estrutura ainda hoje existente, que suporta a barreira para a vala, e na qual são visíveis bicas de escoamento das águas.

Aguarela que reconstituí o alçado sudeste do Paço, de Maria Nélia Castelo. São aqui visíveis a Vala do Pomar, assim como os tanques de água e a cerca do Pomar Real. Faltará aqui a representação do Moinho de Cima, já fora da cerca, mas junto desta.

Para além disso, temos ainda a zona do pomar, e os tanques de água. O pomar era cercado, sendo a cerca ainda visível em alguns pontos. Na nomeação dos almoxarifes é frequentemente referida a existência de hortelões que estes eram obrigados a manter no paço. Seria aqui que exerceriam a sua função.


Bibliografia

CASTELO, Maria Nélia (2012). O Palácio Manuelino da Ribeira de Muge, trabalho de âmbito académico do seminário em Itinerários e Paradigmas Monumentais.

Este artigo é o 3.º de uma série de doze, que pretendemos publicar ao longo deste ano de 2014 (um por mês), de modo a assinalar os 500 anos da conclusão do Paço Real da Ribeira de Muge. 

http://embuscadopatrimonio.blogspot.pt/2014/04/contemplo-estas-ruinas-seculares-restos.html#gpluscomments
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