terça-feira, 24 de junho de 2014

As capelas no Paço Real da Ribeira de Muge – nos 500 anos da sua conclusão

Sendo hoje o dia de S. João Baptista, e sendo ele o patrono da capela do Paço Real da Ribeira de Muge, parece-nos ser o dia ideal para apresentar este tema no empreendimento anual que fizemos sobre o paço. Tendo a religião uma forte presença no dia-a-dia do séc. XVI, e sendo os monarcas portugueses extremamente religiosos, faz todo o sentido que a construção de um paço previsse a existência de um templo religioso.
  

São João Baptista, no altar-mor da Igreja Paroquial de Almeirim.
Escultura atribuída a Machado de Castro.

O primeiro capelão que temos conhecimento foi o frade franciscano da Ordem Terceira, Diogo Pacheco, datando de 1532 o pedido ao papa por D. João III para que este servisse na “capelania da capela dos meus paços da Ribeira de Muge”. Este pedido menciona que o rei estava “de sua bondade bem enformado e por os vezinhos dali d’aredor estarem dele e de seu serviço contentes”. Poderá esta afirmação querer dizer que este religioso já exercia o cargo, tratando-se o pedido apenas de uma oficialização?

A 2 de setembro de 1551 foi nomeado para o cargo de capelão António Valente, clérigo de missa, residente em Santarém. Este teria de dizer missa na “capela dos Paços da ribeira de Muja” aos “domingos e festas do ano somente, e todas as outras missas que nela for obrigado a dizer, dirá nesta vila de Almeirim”. Não tinha este obrigação de viver no paço, e tinha como ordenado seis mil reais, três moios de trigo, um tonel de vinho e quatrocentos reais para palha. A nomeação de António Valente foi em substituição de Frei Pedro Mora, que falecera. Teria existido algum outro capelão entre este Frei Pedro Mora e Diogo Pacheco?


Edifício conhecido como “Escolas Velhas”, onde existiu a Igreja do Divino Espírito Santo da Ordem Terceira de S. Francisco.

Sabemos que em Almeirim existia, desde 1527, uma Igreja e um Hospital dedicados a Nossa Senhora da Conceição, ligados à Igreja do Divino Espírito Santo, sede da Ordem Terceira de Francisco. Não seria estranho se Diogo Pacheco estivesse ligado a esta instituição, sendo por isso normal a sua nomeação para capelão da capela do paço em 1532. Já Frei Pedro de Mora, é mencionado num recibo de uma tença em 1525 como prior do Convento de Nossa Senhora da Serra. Quanto a António Valente, podemos levantar algumas interrogações. Seria também um frade do Convento da Serra? Ou a ausência da sua designação como “frei”, relevaria que pertencia ao clero regular? Com efeito, a sua nomeação diz que era “clérigo de missa, morador da vila de Santarém”, não aludindo a qualquer casa monástica ou conventual.

O que é facto é que a partir do dia de S. João Baptista (24 de junho) de 1560, passava a capela do Paço Real da Ribeira de Muge para os frades. O Alvará menciona que tal acontece por falecimento do capelão, António Valente. Passavam estes a receber o mesmo valor em géneros e dinheiro que recebia António Valente, mediante uma certidão do almoxarife do paço, em como efetuavam os serviços para os quais eram nomeados. Estabelece-se a partir daqui uma relação entre estas duas casas, que falamos aqui.


Pórtico do Convento da Serra, único vestígio arquitetónico subsistente desta casa conventual no lugar onde ela se ergueu.

Os documentos encontrados por Evangelista (2011) aludem a duas capelas neste espaço. Uma, de invocação de S. João Baptista (mencionada em 1758 e 1764) e a Real Capela de Nossa Senhora da Graça (aludida em 1749). O autor aventa que a primeira capela seria de utilização pública, para as celebrações religiosas e que aí assistiriam não só os residentes no paço como também as populações que vivessem nas cercanias (o que pode ser corroborado pelo facto de o pedido de súplica para Diogo Pacheco mencionar que a população estava contente com ele). A outra seria de uso privativo dos monarcas, e as cerimónias aí realizadas seriam de validos próximos a estes. Noutros documentos aparece apenas a referência à “capela [ou ermida] de Paço dos Negros” ou então “Real Capela de Paço dos Negros”, sendo que, com a ausência de invocação, se deduz que a adjetivação de “real” se refere à Capela de Nossa Senhora da Graça.

Tendo presente esta linha de pensamento, pode inferir-se que o edifício que chegou aos nossos dias no complexo do paço será a Capela de S. João Baptista, pela feição que tem, marcadamente pública, isto é, aberta a todos. Ficou registada a memória de ainda ter funcionado, ainda que esporadicamente, em ofícios religiosos, até à segunda metade do séc. XIX. Desta forma, podemos levantar a questão: onde ficaria a Real Capela de Nossa Senhora da Graça? Dela já se perdeu a memória. Sendo uma capela de cariz privativo e particular (quem sabe, até pouco mais que um pequeno aposento adornado com um oratório, ainda que ricamente decorado), ficaria na parte residencial do paço, precisamente aquela que desapareceu e que aludimos aqui


Reconstituição do interior do paço, com o enquadramento da capela.
Aguarela de Maria Nélia Castelo.

A Capela de São João Baptista é um edifício de uma só nave, com telhado de duas águas. Estaria inserida no alpendre existente na frente daquela parte do paço, que arrancando da parede do pórtico, faria um L no pátio. Na fachada principal tem uma janela gradeada, alinhada com a porta. A porta tem a soleira em cantaria, ainda que sem decorações de relevo, ou pelo menos estas não chegaram aos nossos dias. O edifício tem ainda à direita da porta um contraforte arredondado. Teria sido adicionado aquando da demolição do alpendre, para reforço da estabilidade do edifício? Antes de ter sido rebocada, era visível acima da porta um buraco. Há memórias que acima da porta da capela existia uma pomba em pedra. Seria uma invocação do Espírito Santo, nesta capela? Ou seria o buraco simplesmente originário do arranque de uma trave do alpendre?


Interior da Capela de S. João Baptista, em 2009.

 Exterior da capela, em 2006. É visível o buraco por cima da porta.

A capela foi dessacralizada no final do séc. XIX ou início do séc. XX. Sabemos que teve anos a fio a função de celeiro do moinho, sendo que, por essa razão, levou entaipada a porta da frente e passou a ser utilizada a porta das traseiras. Não sabemos se essa mesma porta foi apenas rasgada nessa altura, ou se já existia. Parece contudo estranho que, sendo rasgada nessa altura, levasse uma abóbada em tijoleira como tem. De estranhar igualmente o nicho existente junto a esta porta, entaipado, mas abobadado.


Capela em 2002, onde é visível a porta entaipada. 


Fachada traseira da capela, em 2006. Porta possivelmente rasgada no início do séc. XX. É visível o nicho entaipado à direita.


Nicho entaipado, após ter sido rebocado.

Bibliografia
(1532). Carta de D. João III ao Doutor Brás Neto. Pag. 716-720, 2013. XI, 8-19.
CASTELO, Maria Nélia (2012). O Palácio Manuelino da Ribeira de Muge, trabalho de âmbito académico do seminário em Itinerários e Paradigmas Monumentais.
CLÁUDIO, António (2005). “As Escolas Velhas”, Conhecer Almeirim, vol. 2. S/l: Ed. Câmara Municipal de Almeirim.
EVANGELISTA, Manuel (2011). Paço dos Negros da Ribeira de Muge: A Tacubis Romana. S/l: Edição do autor.



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