A
submissão de uns povos aos outros é uma constante na história. O comércio de
escravos também. Apesar da escravatura já vir de povos longínquos (os romanos
já a tinham, por exemplo), ficaram essencialmente na nossa memória os escravos
negros, oriundos de áfrica. Segundo Magalhães (2003), os primeiros escravos com
estra proveniência chegaram ao nosso país em 1444, durante o reinado de D.
Afonso V. Cerca de cem anos depois, mais precisamente em 1551, existiam em
Portugal 9950 escravos, cerca de 10% da população total.
Os
escravos eram destinados essencialmente aos trabalhos pesados. As escravas
entravam essencialmente pelos trabalhos domésticos. Com a sua chegada massiva
ao território nacional, aumenta a emigração dos naturais, uma vez que não
podiam competir com o seu trabalho (não remunerado). Foi contudo com a presença
escrava que se impediu um colapso demográfico nesta época.
Representação dos escravos na vida doméstica, numa iluminura do livro de Horas de D. Manuel I, produzido na primeira metade do séc. XVI. Fonte: Matriz.net.
A
presença de negros nesta zona da Ribeira de Muge, e no Paço Real da Ribeira de
Muge, é inquestionável. É precisamente da sua presença que advém o topónimo
“Paço dos Negros” – o paço real, para apoio às caçadas e montarias, que foi habitado
por escravos negros. Evangelista (2011), alude a vários registos da presença
destes negros (escravos ou não) neste local, a saber:
1. Em abril de 1511, na
carta que Pedro Matela escreve a D. Manuel I sobre o andamento das obras do
paço nas margens da Ribeira de Muge, menciona que estas poderiam ter um maior
andamento caso fosse para ali enviado “uma dúzia de escravos”, que depois
seriam novamente mandados para outro lado. Assim, importa vincar, como diz o
autor, que a construção do paço se iniciou sem a presença de escravos. Matela
refere ainda na sua carta uma “ruinosa venda de [doze] escravos que estavam em
Almeirim” (Evangelista, 2009: 75).
2. Durante o período de
construção do paço (1511 – 1514), Diogo Rodrigues, almoxarife das obras e
depois do paço, recebeu “de escravos, 7 peças”, ou seja, sete escravos.
3. A 30 de junho de
1516 são enviados quatro escravos da Casa da Mina para aqui.
4. Em 1529, num
documento da época, sabemos que viviam 18 escravos homens, com quatro mulheres
e oito filhos, perfazendo um total de 30 cativos. Para além destes, é ainda
aludido no documento Fernão Frade, que não seria escravo, sendo possivelmente
negro, e que recebia 542 reais.
5. Através de uma
carta, em 1550, a rainha D. Catarina ordena a entrega de numerosos bens ao
almoxarife do paço (à época Estevão Peixoto) para sustento das suas cabras e
vacas. Entre estes contavam-se cinco moios de trigo para sustento de quatro
pastores e uma escrava “que lhe há-de amassar e lavar a roupa”.
6. Em Setembro de 1552
há o registo da compra de um vestido para a escrava Maria Preta por 2$112.
A
miscigenação entre negros e brancos existiu neste local da Ribeira de Muge.
Ainda hoje, apesar de já não existirem negros ou mulatos, existem as marcas
genéticas que eles deixaram nas gentes daqui. Contudo, não sabemos se estes
passaram a ser livres com a extinção da escravatura, com o marquês de Pombal no
séc. XVIII, ou se com a alforria – que segundo Magalhães (1993), era comum ser
dada aos escravos em testamento pelos seus senhores. Ou seriam ambas as
situações? Na segunda década do séc. XVIII, um pouco a jusante do paço, na
Várzea Redonda, morre subitamente um escravo, pelo que temos a certeza que
nesta época ainda existia escravatura na Ribeira de Muge.
Bibliografia:
EVANGELISTA, Manuel (2011). Paço
dos Negros da Ribeira de Muge: A Tacubis Romana. S/l: Edição do autor.
MAGALHÃES, Joaquim Romero (1993).
“A Sociedade”, in MATTOSO, José (coord.), História
de Portugal, 3.º Vol. S/l: Círculo de Leitores. (pp. 469-509)
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