Como
seria a Ribeira de Muge na primeira metade do séc. XVIII? Quantas pessoas aqui
viveriam e em que condições? O que faziam? O fausto da presença da corte já se
tinha perdido. Contudo, a coroa continuava a ser proprietária da Coutada da
Ribeira de Muge, e o almoxarifado continuava a ter sede no Paço Real da Ribeira
de Muge, agora chamado “Passos dos Negros”, apesar do almoxarife já não estar
obrigado a residir no paço. Ao analisar os registos paroquiais da época
encontramos algumas personalidades sucessivamente referidas, o que nos faz
concluir que teriam aqui alguma importância. Hoje iremos deter-nos numa delas.
Moinho da Várzea Redonda, na atualidade. Leonarda Maria foi sua proprietária na primeira metade do séc. XVIII.
Leonarda
Maria é nomeada várias vezes entre 1713 e 1728, como sendo moradora ora na
Várzea Redonda ora no Moinho da Várzea Redonda. É comum aparecer nos registos
paroquiais a diferença entre uma coisa e outra. A primeira menção que temos
conhecimento é o batismo de sua filha, Isabel, a 19 de agosto de 1712. Foram
padrinhos Josefa Maria de Seixas e Paulo Soares da Mota, moradores na Vila de
Almeirim e sendo ele almoxarife do Paço Real da Ribeira de Muge.
Em
29 de outubro de 1713 Leonarda Maria fica viúva. O seu marido, José Marques,
morre com todos os sacramentos e é sepultado no canto nascente do altar da
Igreja Paroquial de Santo António da Raposa. Deixa um testamento onde lega à
sua mulher a Ponte Velha. A cinco de maio do ano seguinte é batizado outro
filho de ambos, Manuel, sendo padrinhos Manuel Lopes e Maria Nunes. Sendo os
batismos feitos em crianças, podemos supor que Leonarda Maria seria ainda uma
mulher nova e que ficou viúva relativamente jovem.
De
22 de agosto de 1716 temos conhecimento de uma provisão, onde Leonarda Maria pede para
cultivar umas bicadas de terreno junto a um moinho que possuía na Ribeira de
Muge. É invocado nesta que tal coisa era prática pelos donos dos outros moinhos
vizinhos. Não sabemos ao certo a que moinho se referia a dita provisão,
atendendo a que Leonarda Maria possuía dois moinhos (o da Várzea Redonda e o da
Ponte Velha). Para além destes, entre o “Passo dos Negros” e a Raposa (sede
paroquial), existiam à época os moinhos de Paulo Soares da Mota, do Pinheiro,
da Parreira e da Raposa.
Data de 31 de maio de 1718 uma escritura de emprazamento onde Leonarda
Maria apresenta um pedido à coroa para renovação do aforamento do Moinho da
Ponte Velha. Seria possivelmente esta situação despoletada pela morte do seu
marido, José Marques, cinco anos antes? Temos de ter presente que os
aforamentos se faziam em três vidas, renováveis. Seria a de José Marques a
terceira? É referido que o aforamento, em três vidas, contaria como sendo
Leonarda Maria a primeira. Esta faz ainda um pedido para lhe ser baixado o foro
(15 alqueires de trigo e 15 alqueires de cevada), pois o moinho, com três
casais de mós, encontrava-se degradado.
No ano seguinte, morre um escravo que Leonarda Maria possuía – Pedro
Tinoco, de morte súbita. É sepultado no corredor da igreja paroquial. Dos anos
seguintes, temos conhecimento de quatro batismos em que Leonarda Maria é
madrinha, a saber:
- Mariana, filha de Diogo Vieira e Maria Nunes, moradores no Moinho da
Ponte Velha, a 14 de janeiro de 1720.
- Leonarda, filha de Pedro Fernandes e Josefa Maria, moradores no Moinho da
Várzea Redonda, a 12 de janeiro de 1721. Foi madrinha com João Luís.
- Antónia, filha de Pedro Fernandes e de Josefa Maria, moradores na Várzea
Redonda, a 15 de novembro de 1722. Foi madrinha com João Vaz.
- Ana, filha de Domingos Martins e Maria da Silva, moradores no Moinho da
Várzea Redonda, a 26 de julho de 1723. Foi madrinha com o seu filho, José
Marques.
A 24 de julho de 1727, morre Leonarda Maria, na Várzea Redonda. É sepultada
no n.º 7 da Igreja Paroquial de Santo António da Raposa. No ano seguinte
casarão dois dos seus filhos. Isabel Maria (a ser a mesma Isabel que é batizada
em 1712, teria cerca de 17 anos), a 1 de julho, com António Costa, de Alpiarça,
assim como as testemunhas do casamento. A 24 de agosto casa José Marques, com
Tomásia Dias (de Torres Novas). São testemunhas deste casamento Diogo Vieira
(morador na Raposa) e Luís Dias (morador na Várzea Redonda). Estes dois
estabeleceram relações de algum modo com a família de Leonarda Maria, tendo em
conta que viveram nas suas propriedades. Desconhecemos contudo os vínculos que
lhe tinham.
Por fim, podemos inquirir-nos: como se pode inserir Leonarda Maria na
sociedade do séc. XVIII? Temos evidências bastantes para concluir que não era
uma simples mulher camponesa. Contudo, cremos ser excessivo poder considera-la
uma pequena fidalga ou até burguesa (este seria o caso dos Soares da Mota, que
viviam na Vila de Almeirim, e não no meio da charneca).
Cremos ser possível que Leonarda Maria seria ao século XVIII aquilo que no
século XX se chamou “uma lavradora”. O seu marido fez testamento, o que não era
muito comum à época, segundo os registos paroquiais. Trazia aforadas duas
propriedades, nas quais viviam várias famílias. Com efeito, entre 1717 e 1727
há nos registos paroquiais três agregados diferentes no Moinho da Ponte Velha e
nove no Moinho da Várzea Redonda. Para além disto, temos ainda de ter presente
que Leonarda Maria é chamada a ser madrinha de quatro crianças de pessoas que
viviam nas suas propriedades.
Por outro lado, e tendo presente que Leonarda Maria terá ficado viúva
relativamente nova (tinha filhos que ainda nem sequer eram batizados), podemos
perguntar-nos a razão pela qual não terá voltado a casar. Com efeito, é comum
encontrarmos registos de viúvos que voltam a casar. Contudo, Leonarda Maria não
o faz. Será que ao casar esta perderia direito às propriedades que tinha,
passado estas para alçada do seu marido?
Fontes documentais e
bibliográficas:
(1706-1741).
Livro dos defuntos, dos baptizados e dos
casados – Raposa (Sto. António).
(1716).
“Leonarda Maria, Provisão”, Chancelaria de D. João V, livro 46, folhas
318v a 319v.
(1717).
“Leonarda Maria, Carta de Emprazamento”, Chancelaria de D. João V, livro
??, folhas 347 e 347v.
EVANGELISTA,
Manuel (2011). Paço dos Negros da Ribeira
de Muge – A Tacubis Romana. S/l: Ed. de autor.
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