sexta-feira, 22 de maio de 2015

António Roiz e Maria Cordeira – um casal da Ribeira de Muge no séc. XVIII – Parte II: Lugares de Residência e Poder Económico

São no total 37 os assentos que mencionam António Roiz e/ou Maria Cordeira. Apesar de quando em vez os padres omitirem os locais onde viviam os seus paroquianos, por 28 vezes menciona onde esta família vivia, sendo aludidos ao longo dos anos dois locais: o Moinho dos Gagos e o Moinho dos Passos dos Negros. O último registo onde aparece o Moinho dos Gagos é de 3 de agosto de 1721, quando António Roiz é testemunha de um casamento. O primeiro registo que o dá como morador no Moinho dos Passos dos Negros é o do casamento da sua filha Juliana Rodrigues, a 8 de junho de 1722.

Localização, assinalada a vermelho, do local aproximado onde esteve edificado o “Moinho dos Passos dos Negros”, que António Roiz comprou no início do séc. XVIII.

Sobre esta mudança de residência, e tendo por fundo um documento da época da chancelaria régia, sabemos que a 18 de novembro de 1719, perante o tabelião da Vila de Almeirim foi feita uma escritura de compra do Moinho dos Passos dos Negros, foreiro ao rei, a António Roiz. Este pertencia a D. Eufrásia de Moura e Pestana, tinha como foro 30 alqueires de pão meado (15 de trigo e 15 de cevada) e o moinho não se encontrava a trabalhar à época da venda. Esta venda foi feita por 180 mil réis (*), mantendo-se o foro, que seria pago a 15 de agosto no almoxarife das jugadas da Vila de Santarém. António Roiz pagou na hora em moedas de duro, correntes à época.

Os aforamentos eram usualmente feitos em três vidas. Ora, estando o moinho aforado a D. Eufrásia, e sendo esta a primeira vida, quando o vende a António Roiz, este passa a ser a segunda vida. Assim, por via da compra, este irá requerer em março de 1720 que passe a ser contabilizada a sua vida como a primeira, podendo ele nomear depois a segunda vida e essa a terceira. Em maio desse mesmo ano é-lhe concedido o aforamento do Moinho dos Passos dos Negros em três vidas, sendo a sua a primeira.

Posto isto, podemos aqui entrever algum do poder económico que teria António Roiz. Longe de poder ser considerado um pequeno burguês, seria contudo alguém importante no contexto da sociedade que se vivia à época neste local. Com efeito, comprou (**) um moinho que não estava a trabalhar (apesar do prédio aforado conter outros elementos, como “árvores de fruto e sem fruto”.

Ainda dentro do tema dos locais onde António Roiz e Maria Cordeira viveram, há uma outra questão sobre a qual deveremos refletir. Com efeito, estes viveram em dois moinhos. Seria António Roiz um “mestre moleiro”? Sabemos que ao longo do séc. XVII existiram vários regimentos e revisões a estes do ofício de moleiro do concelho de Santarém (do qual esta área fazia parte à época). Seria esta profissão, que requeria alguns pressupostos, objeto da criação, não diremos de uma elite, mas de alguns que conseguiam estar um pouco melhor na vida em relação aos outros? Não devemos esquecer que o moinho é o meio através do qual se obtém o pão, isto é, enquanto todos podiam cultivar os cereais, apenas no moinho é que estes teriam alguma utilidade, depois do processo da moagem. Logo, seria de importância vital para a sociedade.

(*) Para termos uma ideia da comparação dos preços, um hectolitro (100 litros) de trigo em 1719, no concelho de Santarém, custava cerca de 1$460, enquanto que a cevada se cifrava em cerca de 0$990 réis / hectolitro. Já uma mó de dois palmos e meio, em 1735 no concelho da Moita, custava 2$400 réis. (Ventura 2007)

(**) o foro é visto mais como um imposto do que uma renda, uma vez que o aforamento ultrapassa largamente o período de vida de um indivíduo (pode ser em fatiota perpétuo ou por três vidas), e assim compensará inserir melhorias no terreno, seja com a plantação de árvores ou a construção de edifícios, uma vez que terá garantido tempo de vida útil para amortizar o investimento. Tanto mais que o aforador estava autorizado a vender ou alugar o terreno de que dispunha.

Fontes:
(1706-1741). Livro dos defuntos, dos baptizados e dos casados – Raposa (Sto. António).
(1722). “António Roiz Carta de Confirmação de Emprazamento”, Chancelaria de D. João V, livro 63, fol. 97 a 103.
VENTURA, António Gonçalves (2007). A “Banda D’Além” e a Cidade de Lisboa durante o Antigo Regime: uma perspectiva de histórica económica e regional comparada. Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.  

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