quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Comunicação "Património Molinológico na Ribeira de Muge"

Foto de Manuel Evangelista

Resumo
Se entendermos por moagem o ato da transformação de grãos em matéria comestível, podemos afirmar que esta é uma das atividades que acompanha o ser humano desde as comunidades recolectoras, quando o Homem trincava grãos, sendo esta a mais primitiva forma de trituração. A partir daqui, e ao longo da evolução humana, o homem foi aperfeiçoando as técnicas de transformação do cereal, não só com a força humana e de animais, mas também com o aproveitamento da força da água e do vento.

No vale constituído pela Ribeira de Muge, onde os vestígios da presença humana são anteriores ao período da formação da nacionalidade, encontramos, de braço dado com a presença de vários povos, indícios de atividade moageira. 

Tendo nós estabelecido como limite para estudo a atividade molinológica ao longo desta ribeira entre as suas confluências com a Ribeira do Chouto (a montante) e a Ribeira da Lamarosa (a jusante), encontramos aqui, nos nossos dias, onze engenhos, nos mais variados estados de conservação (ou de ruína). Para além destes, temos ainda registos e memórias de outros tantos moinhos, já desaparecidos no que a vestígios diz respeito, mas que ainda permanecem nas memórias de alguns e na documentação do séc. XIV a esta parte.

Contudo, o grande desafio para quem investiga e estuda molinologia é conseguir adaptar os estudos genéricos à realidade a que se dedica. Porque, efetivamente, sendo os moinhos de rodízio (predominantes na Ribeira de Muge) os mais disseminados por Portugal, serão substancialmente diferentes neste local e em Trás-os-Montes, não só pela presença de materiais diferentes, para construção, como também por uma realidade económica distinta, que exige uma resposta diferente, aquando da construção e manutenção do engenho.

É precisamente esta realidade distinta que queremos vincar: aquilo que distingue os moinhos da Ribeira de Muge de todos os outros moinhos.

Decidimos estruturar a presente comunicação em três partes distintas. Na primeira contextualizamos os moinhos como elemento do processo de moagem, assim como as diversas tipologias que existem destes. Numa segunda fase, abordamos a evolução histórica dos engenhos nas margens da Ribeira de Muge. Por fim, fazemos uma descrição deste património do ponto de vista técnico e socioeconómico.


1. Sistemas tradicionais de moagem
Para partirmos para o estudo deste tema, há três perguntas que, a nosso ver, têm de ser respondidas:

A. O que é a moagem? A moagem é o processo de trituração de determinado bem. Numa aceção mais alimentar, a moagem é processo de transformação de um grão numa substância comestível (que não tem necessariamente de ser farinha).

B. Desde quando é que existe moagem? A moagem é uma atividade que acompanha desde sempre o homem. Podemos afirmar que a sua mais primitiva forma foi o trincar entre os dentes de sementes.

C. O que é um moinho e que tipos de moinhos existem? O moinho é a soma de três elementos: um aparelho motor (que pode ser acionado pela força da água, do vento ou pela força humana), a moega (casal de mós e demais elementos que efetuam a moagem) e o edifício que alberga o aparelho.


1.1. Primeiras técnicas de moagem
 
Imagem 1: Técnica do “bater” – Almofariz de pedra – Ilha da Madeira. Fotografia em “Sistemas Tradicionais de moagem”.
Imagem 2: Técnica do “esfregar” – Moinho de Rebolo (Museu dos Moinhos Vitorino Nemésio)

Os dois utensílios acima foram os primeiros utilizados para moer. O primeiro consistia em colocar o grão numa superfície, desferindo movimentos horizontais sobre este, por forma a obter um granulado. É a chamada “técnica do bater”, a partir da qual se evoluiu para o almofariz. A segunda técnica, chamada “técnica do esfregar”, obtinha-se por via do instrumento da segunda imagem, um moinho de rebolo, em que o cereal era depositado na calha e deslizava-se uma pedra sobre este. Tanto numa técnica como noutra não se obtinha farinha, mas sim um granulado, que era utilizado na alimentação, sob forma de papas.

1.2. Engenhos Tradicionais de Moagem


Imagem 3: Sistematização de tipologias de moinhos. Elaboração própria.

No que às tipologias de moinho existe, podemos agrupá-las, como mencionado anteriormente, em três grandes categorias, consoante a força motriz: Moinhos a Sangue (acionados pela força do homem ou de animais), moinhos hídricos (acionados pela força do vento) ou moinhos hidráulicos (acionados pela força da água). Dentro de cada uma destas categorias, existem sub-categorias, a saber:

A. Moinhos a Sangue:
a) Mós Manuais: são simples mós redondas, com um olho (buraco redondo, onde cai o cereal para ser moído), de acionamento direto.

b) Moinholas: também podem ser chamadas de zangarelhas, e o aparelho já é mais complexo que o das mós manuais. A grande evolução em relação a estas é a existência de um dispositivo que permite o acionamento indireto, através de uma manivela, chamado urreiro.

c) Atafonas: com a atafona o processo da moagem deixa de ser uma atividade doméstica e começa a revestir características mais industriais. A atafona é acionada por um animal, que gira em torno da moega (quando é de acionamento direto), ou à parte desta (quando a atafona é de acionamento indireto). O ofício de atafoneiro era distinto do de moleiro.

B. Moinhos de Vento
a) Moinhos de Vento de Torre Fixa: São estruturas cilíndricas, normalmente de alvenaria (apesar de existirem alguns exemplares de madeira). Dentro destas podemos criar duas sub-tipologias: os moinhos de vento saloios e os moinhos de vento serranos. Os primeiros predominam sobretudo a sul de Coimbra, e caracterizam-se por serem rebocados, caiados de branco e com uma barra de cor viva. A rotação do capelo (telhado), para apanhar o vento dominante, é feita por um dispositivo interior chamado sarilho, que consiste numa manivela à qual é ligada uma corrente que vai sendo presa no arganel. Quanto ao moinho serrano, as suas paredes são de silharia, e a rotação do capelo é feita por um dispositivo exterior – o rabo – que liga o capelo ao chão, e que é empurrado pelo moleiro na direção do vento dominante.

b) Moinhos de Vento Giratórios: são pequenos engenhos, feitos de madeira e com rodas, em que todo o edifício gira para apanhar o vento dominante. Tem um espigão fixo, que se torna o eixo sob o qual roda todo o engenho. As rodas estão assentes sobre uma circunferência de pedra, que atua como se fosse um carril, chamada carreira. A sua grande vantagem é que são de fácil desmonte e deslocação para outros locais.

c) Moinho de Vento de Armação: Estrutura metálica, de estilo americano, em que em vez de velas, o moinho tem uma roda de palhetas, que apanha o vento com superior eficácia em relação aos demais.

C) Moinhos Hidráulicos
a) Moinhos de roda horizontal: são moinhos em que existe uma roda, disposta na horizontal, na parte de baixo do moinho (os infernos), e em que a cada roda corresponde um casal de mós. Estas rodas podem ser rodízios ou rodetes. O rodete funciona dentro de um poço, feito à medida, e sob o sistema de turbina, ou seja, funciona submerso. Já o rodízio, se houver uma cheia e ficar submerso, deixa de trabalhar.

b) Moinhos de roda vertical: também chamados por azenhas, têm uma grande roda exterior, colocada na lateral do engenho, sob a qual cai água. Uma única roda de azenha pode tocar vários casais de mós, através de um veio principal, que pode ter várias entrosgas. Contudo, necessita de um caudal superior aos moinhos de roda horizontal.

c) Moinhos de Maré: são engenhos, normalmente de rodízio, que utilizam a diferença entre a maré alta e a maré baixa para trabalhar. Têm uma grande caldeira, que vai enchendo à medida que a maré vai subindo, e que é fechada quando esta atinge o ponto mais alto. Assim que os rodízios emergem, libertam a água sobre estes, acionando assim o moinho. É de todos os moinhos o mais dispendioso, daí ter normalmente sempre um elevado número de mós.


1.3. Desafios em estudar este tema
Estudar a atividade moageira tem algumas características próprias com as quais é preciso aprender a lidar. Em primeiro lugar, do ponto de vista histórico, é preciso ter presente que os moinhos alteram constantemente de nome. Com efeito, ora vêm agregados ao nome dos seus moleiros ou proprietários, ora à herdade/ quinta a que pertencem, ou ainda são mencionados com preciosismos geográficos. Por exemplo, um dos moinhos dentro do nosso objeto de estudo é referido, desde o século XIV, como Moinho da Regueifeira, do Gonçalo, de Vasco Velho, do Policarpo, do Clérigo, das Donas e de Cima.

Por outro lado, há que ter igualmente presente o contexto regional em que o mesmo se insere. Com efeito, e no que ao caso português concerne, há uma diferença substancial entre o sul e o norte do país. Se a norte o moinho é um edifício pequeno, utilizado sobretudo para a economia familiar, tendo normalmente apenas um casal de mós, a sul são comuns moinhos com quatro ou cinco casais de mós, destinados essencialmente à comercialização. Para além disto, há uma diferença, de local para local, nos utensílios dos moinhos (devido às matérias-primas existentes), além da designação dos próprios nomes dos elementos que constituem o engenho. A título de exemplo deste último, um pouso pode também assumir o nome de mó de baixo, pedra jazente, cepo, poiso, dormente, mó de pé ou assento.

O que abordamos aqui é o que podemos considerar, para o caso português, padrão. Contudo, existem realidades dispares de local para loca, tanto no nosso próprio país, como no estrangeiro. As imagens abaixo transportam algumas dessas mesmas diferenças, e ainda que com configurações diferentes, nos casos mediterrânicos, os moinhos do centro da europa são totalmente diferentes daqueles que temos no nosso país.



Imagem 4: Moinhos de Vento na Ilha de Porto Santo (Madeira). Imagem da Internet.


Imagem 5: Moinhos de Vento na Ilha do Faial (Açores). Imagem da Internet.


Imagem 6: Moinhos de Vento em Toledo (Espanha). Imagem da Internet.


Imagem 7: Moinhos de Vento em Mykonos (Grécia). Evidenciam-se aqui os capelos cobertos de colmo. Imagem da Internet.


Imagens 8, 9 e 10: Post Mill (Países Baixos), Tower Mill (Inglaterra) e Smock Mill (Inglaterra). Imagens da Internet.


2. Um olhar histórico à atividade moageira na Ribeira de Muge
A zona em estudo abarca o médio curso da Ribeira de Muge, ao longo de três concelhos (Chamusca, Almeirim e Salvaterra de Magos). Estabelecemos como limite a montante a confluência da Ribeira do Chouto com a Ribeira de Muge e a jusante a confluência desta última com a Ribeira da Lamarosa. Para além dos engenhos situados na ribeira, abordamos também aqueles que estão nos seus afluentes, ou que são de outras tipologias, nomeadamente de vento.

O mais antigo vestígio de moagem aqui presente vem das Ferrarias (Raposa), e é uma mó manual, atribuída ao Período Romano.

Em relação aos moinhos em si, temos vestígios (físicos, documentais ou testemunhos orais) de 22 engenhos nesta área. Do ponto de vista histórico, iremos apenas abordar o primeiro testemunho que temos de cada um deles.

1434: D. Duarte, para por fim a uma contenda entre os limites dos Termos da Vila de Muge com a Vila de Santarém estabelece que este “vai da estrada pelos moinhos da regueifeira para Coruche”. Este engenho, que chegou aos nossos dias, encontra-se hoje perto do limite entre os concelhos de Almeirim e Salvaterra de Magos.

1459: Já no Termo da Vila de Muge, é construído nesta data um moinho por Gomes Eanes (Moinho do Gomes), entre dois outros já existentes (Moinho do Porto de Lançarote, a jusante e a montante o Moinho do Gonçalo – anteriormente da Regueifeira).

1511: são neste ano mencionados três engenhos junto ao local onde se estava a edificar o Paço Real da Ribeira de Muge, que eram pertença de Vasco e Francisco Palha. Eram eles o que estava junto à cerca do paço, o Moinho do Meio, por ser o que estava no meio dos três, e o Moinho de Baixo ou Moinho Derradeiro, por ser o último no curso da ribeira. São todos doados ao rei.

1518: no Paço Real da Ribeira de Muge é criado um almoxarifado. Ao segundo almoxarife, Antão Fernandes, D. Manuel I autoriza a construção de um moinho em qualquer parte do Vale João Viegas.

1549: Nesta data, João Pires tem autorização para construir um engenho em frente ao Vale Porco, sendo mencionado nas confrontações do local que abaixo existia um outro engenho, o Moinho de Cristóvão Soares.

1709-1741: É este o período de abrangência do primeiro livro dos assentos paroquiais da Paróquia da Raposa. Para além de muitos dos moinhos já aludidos, surgem pela primeira vez o Moinho dos Gagos (1712), Moinho da Raposa (1712), Moinho do Fidalgo Fernão Teles de Meneses (1715 – na Ribeira da Calha) e o Moinho de Vale Flores (1718). Para além destes, surgem outros engenhos, designados pelos nomes ou de seus proprietários ou moleiros, que não conseguimos atribuir a nenhum dos que já sabemos existir, mas também não conseguirmos comprovar que serão outros engenhos além dos já testemunhados.

1876-1881: segundo um testemunho oral, é construído um novo Moinho dos Gagos ao mesmo tempo que a ponte de Santarém.

1900-1920: segundo testemunhos orais, será neste período que será construído o Moinho do Fidalgo, no espaço do Paço Real da Ribeira de Muge, entretanto vendido a Manuel Francisco Fidalgo. Este manda fazer este novo engenho para tirar um rendimento superior ao das duas minholas que tinha no Vale João Viegas, sendo que acreditamos que uma delas seja o moinho (ou o herdeiro) de Antão Fernandes.

1933: Nesta data é efetuado um levantamento de toda a “Herdade dos Paços dos Negros”, onde são grafados os engenhos e surgem pela primeira vez o Moinho do Ti Manuel Custódio, e uma azenha e moinho de vento junto à casa de Custódio Caniço.

1937/38: É construído um Moinho de Vento, por Manuel Custódio, para conseguir alternar com a falta de água da ribeira. Ficou conhecido simplesmente por este nome por ser o único da sua tipologia em Paço dos Negros.

Por fim, podemos mencionar o Moinho da Gaga, moinho de vento situado junto aos Foros de Benfica, mas já no Concelho de Salvaterra de Magos, assim como a Minhola de Vale Flores, situada no concelho da Chamusca. Destes não temos qualquer testemunho ou registo, contudo, temos as suas ruínas nos locais em questão.


Imagem 11: Mapa com a localização geográfica dos vários engenhos. Elaboração própria a partir de cartas militares.


3. Um olhar técnico à atividade moageira na Ribeira de Muge
3.1. Tipologias de Moinhos presentes


Imagem 12: Mapa com a localização geográfica dos vários engenhos, com as tipologias devidamente assinaladas. Elaboração própria a partir de cartas militares.

3.1.1. Moinhos de Vento
No que ao Moinho de Vento de Armação diz respeito, este teve uma curta duração. Foi construído no final da década de 30 e desmantelado em 1964. Era um moinho de armação, tipo americano.
Quanto ao Moinho de Vento da Gaga, foi um moinho de vento de torre fixa, com tração de sarilho. Com efeito, apesar do capelo já ter desaparecido, são ainda visíveis os arganéis na parede interior do engenho.

3.1.2. Moinhos de Rodízio
Como podemos reparar através da imagem, a tipologia predominante de moinhos na Ribeira de Muge são os moinhos de rodízio. Com efeito, há três razões que levam a que estes sejam os engenhos mais numerosos em Portugal, e que à nossa realidade se podem adaptar.

a) Não necessitam de um grande caudal. Tendo presente que os moinhos não se edificam nos próprios cursos de água, mas em canais desviados para esse efeito, e tendo igualmente em conta que ao longo da Ribeira de Muge, precisamente no Verão (quando há menos água) se cultiva o arroz (cultura que necessita de uma grande quantidade de água), esta teria de ser melhor repartida entre as várias necessidades, e um moinho que necessite de um caudal mais diminuto seria um fator de peso. 

b) Investimento diminuto. Com efeito, a construção de um moinho de rodízio requer, face a outros menos dinheiro investido. Por se poder localizar junto a qualquer pequeno curso de água (o que diminui o custo da localização), pode adaptar-se também o seu tamanho as necessidades, nomeadamente económicas, construindo um engenho com mais ou menos casais de mós.

c) Conhecimento técnico mais reduzido. A manutenção dos engenhos podia ser feita pelo próprio moleiro, ainda que com materiais diferentes, e ficando os vários elementos diferentes do original, mas ainda assim, funcional.

3.2. Mecanização dos engenhos tradicionais de moagem
O Decreto-Lei 35 551 de 13 de setembro de 1949 vem autorizar a adaptação de motores de combustão nos engenhos tradicionais de moagem, movidos pela força do vento e da água. Na Ribeira de Muge laborariam nesta altura cerca de dez engenhos (é difícil ter uma noção exata, uma vez que tínhamos acabado de sair de um período de racionamento em 1945, em que foram proibidos de laborar os engenhos tradicionais). Destes, cinco levaram adicionados motores de combustão. Apenas sabemos a data de dois deles: o Moinho de Vale Flores, em 1950, e o Moinho de Vento, em 1957. Para além destes, também o Moinho de Cima teve um engenho, assim como o Moinho do Fidalgo (motor esse que tinha servido para regar os campos do Sorraia). Quanto ao Moinho da Raposa, foi-lhe adaptado um motor de um barco, e tornou-se num local onde se descascava o arroz (tanto que o edifício é conhecido na Raposa como “o descasque”).


3.3. Proprietários e utilizadores de moinhos
Bertold Moog criou uma grelha teórica, onde podemos encontrar as mais variadas realidades no que à exploração de moinhos diz respeito. No que diz respeito à realidade da Ribeira de Muge, podemos encontrar duas realidades distintas:

a) Hired Miller ou Moleiro contratado: aqui o moinho é uma valência de uma herdade ou quinta, e o moleiro é um empregado do proprietário da mesma. O trabalho desenvolvido no engenho é com os cereais cultivados na propriedade ou com os dos caseiros residentes na mesma. 

b) Wage Milling ou Moagem a soldo: nestes engenhos, o moleiro pode ser o proprietário do moinho ou um empregado deste. Situam-se por norma junto ou nos aglomerados populacionais, e trabalham para as populações, com os cereais que estas cultivam nas suas hortas. Cobram uma maquia (uma parte do cereal que é para ser trabalhado). As populações encaram o moinho como o local onde podiam comprar tudo aquilo que as suas hortas não davam: a farinha e o arroz (para quem não os cultivava, logo não os mandava fazer pelo regime da maquia), assim como o farelo, que era utilizado para alimentação dos animais.


Imagem 13: Tabela onde surgem alguns dos engenhos cuja história económico-social do séc. XX temos devidamente recolhida e tratada, sendo distribuídos pelo tipo de propriedade e localidade.

Pela tabela acima, há uma coisa que salta imediatamente à vista: onde vigora o sistema de “Moleiro contratado”, os moinhos assumem o nome da herdade onde se inserem (com exceção do Moinho de Cima / Quinta do Pinhão). Onde podemos considerar que existe a chamada “Moagem a soldo”, os moinhos assumem o nome dos seus proprietários ou moleiros (o Moinho do Pinheiro também era conhecido como Moinho do Bento, por ser esse o nome do seu moleiro).

3.4. Trabalho do Moinho

Imagem 14: Trabalho do Moinho do Fidalgo, por casal de mós.

Sobre o quadro acima, elaborado pela realidade económica dos anos 60-70 do Moinho do Fidalgo, podemos constatar que num mesmo engenho trabalhavam-se vários cereais, e que as mós podiam ser tocadas por várias forças diferentes.
Para alem disto, há que lançar duas notas importantes. Em primeiro lugar, o moinho não trabalhava apenas para a produção de farinha, tendo um outro produto trabalhado: o arroz. Com efeito, aqui descascava-se arroz (colocando uma forra de cortiça no pouso, e aumentando a distancia entre as mós, por forma a não farinar o grão). Por outro lado, aqui fazia-se também milho partido, para forragens de animais.

3.5. Especificidades regionais / locais dos moinhos da Ribeira de Muge
Existem alguns elementos que caracterizam a atividade moageira que são transversais a algumas zonas do país. Outros elementos apenas os conseguimos encontrar, até à presente data, na zona da Ribeira de Muge. Assim, podemos salientar os seguintes:

a) Rodízios: Os rodízios dos moinhos, na zona em estudo, são forjados em ferro. Cremos que mais uma vez é a zona de Coimbra que atua como fronteira nesta questão, sendo que a norte desta cidade será mais comum encontrar rodízios feitos em madeira. 

b) Suspensão dos tegões: na zona da Ribeira de Muge, os tegões são suspensos sobre o casal de mós agarrados a um poste, e será esta a forma predominante no sul do país. Já a norte, predomina a suspensão do tegão em barrotes.

c) Rela: a rela é o dispositivo onde assenta o aguilhão, ou seja, a ponte da pela. A pela (que começa no aguilhão e termina na segurelha) é o veio que transmite o movimento do rodízio à andadeira. Aqui, encontramos relas feitas de cubos de cobre. Foi o único local onde encontramos relas desta forma. Nos demais sítios em Portugal que visitamos, temos notícia da rela ser uma pedra.

d) Levada: como já referimos, os moinhos encontram-se sob um canal artificial que é desviado do curso de água principal. Esses canais são, por norma, lajeados, e com algumas dezenas de metros e chama-se levadas. No caso da Ribeira de Muge, esses canais chegam a ter quilómetros, tocam vários moinhos e servem outros fins, como regar as hortas e a cultura do arroz. São chamados “vala do munho”, ou seja “vala do moinho”. Existem duas, sendo que a primeira vale tem cerca de 1,2 Kms, tocando o Moinho do Ti Manuel Custódio e o Moinho do Fidalgo. A segunda terá cerca de 5 Kms, tocando o Moinho do Pinheiro, Ponte Velha, Várzea e possivelmente terá tocado também o desaparecido Moinho da Parreira.

Comunicação apresentada no I Colóquio "Paisagens Agrárias do Vale do Sorraia: Arqueologia, História e Património", que decorreu em Glória do Ribatejo, no dia 18 de julho de 2015.