domingo, 24 de maio de 2015

António Roiz e Maria Cordeira – um casal da Ribeira de Muge no séc. XVIII – Parte III: Compadrios e Importância Social

Em relação aos compadrios estabelecidos por António Roiz e Maria Cordeira, isto é, os batismos onde foram padrinhos ou os casamentos onde foram testemunhas, podemos chegar a algumas conclusões. Em primeiro lugar importa referir que estes foram padrinhos de 17 batismos (em casal ou com um dos filhos) e António Roiz foi testemunha de quatro casamentos (por norma, apenas homens testemunhavam casamentos). Posto isto, podemos afirmar que do total de 21 registos, em oito os compadres viveriam em moinhos também. Contudo, poderá isto ser explicação? Com efeito, no batismo em comum com a sua filha Merenciana, aludido anteriormente, trata-se de uma relação de vizinhança, uma vez que todos são moradores no Moinho dos Gagos. Por outro lado, são padrinhos de batismo em 1717, 19 e 20 de três filhos de Manuel Cordeiro e Isabel Garcia (apesar de um dos assentos estar grafado “Isabel da Silva” cremos ser possível de afirmar que se trata de um erro do pároco), moradores no Moinho do Fidalgo (também designado como “Moinho do Fidalgo Fernão Teles de Meneses”). Todavia, podemos perguntar-nos: será esta uma relação de compadrio entre uma elite ou entre uma família? Com efeito, seria Manuel Cordeiro irmão de Maria Cordeira?

A mesma pergunta pode fazer-se em relação a João Nunes e Maria Roiz. Na verdade, estes foram padrinhos de batismo de dois dos filhos de António Roiz e Maria Cordeira e João Nunes testemunha de casamento de uma das filhas de António Roiz. Por outro lado, António Roiz e uma das suas filhas foram padrinhos dos filhos mais novos de João Nunes e Maria Roiz. Tendo em conta que dos filhos mais velhos foram padrinhos o almoxarife Paulo Soares da Mota e sua mulher, e que como aventamos aqui, a escolha após a possível morte do almoxarife de alguém de relevo na sociedade da Ribeira de Muge do séc. XVIII, ou de um familiar (será António Roiz irmão de Maria Roiz?)? Ou ambas?

Capela do Paço Real da Ribeira de Muge, em 2006
Foi aqui que se casou Josefa Maria, filha de António Roiz e Maria Cordeira. 

Para além de todos estes aspetos que temos vindo a focar, há ainda mais dois que nos podem fazer despertar a importância que António Roiz e Maria Cordeira poderiam ter. Em primeiro lugar, o casamento da sua filha Josefa Maria, que se deu não na Igreja Paroquial de Santo António da Raposa, mas sim na “Capela dos Passos dos Negros”. A nós parece-nos que aqui se casariam pessoas por exceção e não por regra. Em segundo lugar, mais que proprietário, António Roiz era patrão. Com efeito, num assento de óbito datado de 7 de abril de 1730, de Manuel Coelho, é mencionado que este era criado de António Rodrigues.

Maria Cordeira irá morrer a 19 de dezembro de 1733, no Moinho dos Passos dos Negros. António Roiz morrerá quatro anos depois, a 14 de junho de 1737, no mesmo local. No assento de óbito deste é mencionado que foi casado com Maria Martins. Acreditamos contudo que se trate de um equívoco do pároco. 
  
Fontes:

(1706-1741). Livro dos defuntos, dos baptizados e dos casados – Raposa (Sto. António)

sexta-feira, 22 de maio de 2015

António Roiz e Maria Cordeira – um casal da Ribeira de Muge no séc. XVIII – Parte II: Lugares de Residência e Poder Económico

São no total 37 os assentos que mencionam António Roiz e/ou Maria Cordeira. Apesar de quando em vez os padres omitirem os locais onde viviam os seus paroquianos, por 28 vezes menciona onde esta família vivia, sendo aludidos ao longo dos anos dois locais: o Moinho dos Gagos e o Moinho dos Passos dos Negros. O último registo onde aparece o Moinho dos Gagos é de 3 de agosto de 1721, quando António Roiz é testemunha de um casamento. O primeiro registo que o dá como morador no Moinho dos Passos dos Negros é o do casamento da sua filha Juliana Rodrigues, a 8 de junho de 1722.

Localização, assinalada a vermelho, do local aproximado onde esteve edificado o “Moinho dos Passos dos Negros”, que António Roiz comprou no início do séc. XVIII.

Sobre esta mudança de residência, e tendo por fundo um documento da época da chancelaria régia, sabemos que a 18 de novembro de 1719, perante o tabelião da Vila de Almeirim foi feita uma escritura de compra do Moinho dos Passos dos Negros, foreiro ao rei, a António Roiz. Este pertencia a D. Eufrásia de Moura e Pestana, tinha como foro 30 alqueires de pão meado (15 de trigo e 15 de cevada) e o moinho não se encontrava a trabalhar à época da venda. Esta venda foi feita por 180 mil réis (*), mantendo-se o foro, que seria pago a 15 de agosto no almoxarife das jugadas da Vila de Santarém. António Roiz pagou na hora em moedas de duro, correntes à época.

Os aforamentos eram usualmente feitos em três vidas. Ora, estando o moinho aforado a D. Eufrásia, e sendo esta a primeira vida, quando o vende a António Roiz, este passa a ser a segunda vida. Assim, por via da compra, este irá requerer em março de 1720 que passe a ser contabilizada a sua vida como a primeira, podendo ele nomear depois a segunda vida e essa a terceira. Em maio desse mesmo ano é-lhe concedido o aforamento do Moinho dos Passos dos Negros em três vidas, sendo a sua a primeira.

Posto isto, podemos aqui entrever algum do poder económico que teria António Roiz. Longe de poder ser considerado um pequeno burguês, seria contudo alguém importante no contexto da sociedade que se vivia à época neste local. Com efeito, comprou (**) um moinho que não estava a trabalhar (apesar do prédio aforado conter outros elementos, como “árvores de fruto e sem fruto”.

Ainda dentro do tema dos locais onde António Roiz e Maria Cordeira viveram, há uma outra questão sobre a qual deveremos refletir. Com efeito, estes viveram em dois moinhos. Seria António Roiz um “mestre moleiro”? Sabemos que ao longo do séc. XVII existiram vários regimentos e revisões a estes do ofício de moleiro do concelho de Santarém (do qual esta área fazia parte à época). Seria esta profissão, que requeria alguns pressupostos, objeto da criação, não diremos de uma elite, mas de alguns que conseguiam estar um pouco melhor na vida em relação aos outros? Não devemos esquecer que o moinho é o meio através do qual se obtém o pão, isto é, enquanto todos podiam cultivar os cereais, apenas no moinho é que estes teriam alguma utilidade, depois do processo da moagem. Logo, seria de importância vital para a sociedade.

(*) Para termos uma ideia da comparação dos preços, um hectolitro (100 litros) de trigo em 1719, no concelho de Santarém, custava cerca de 1$460, enquanto que a cevada se cifrava em cerca de 0$990 réis / hectolitro. Já uma mó de dois palmos e meio, em 1735 no concelho da Moita, custava 2$400 réis. (Ventura 2007)

(**) o foro é visto mais como um imposto do que uma renda, uma vez que o aforamento ultrapassa largamente o período de vida de um indivíduo (pode ser em fatiota perpétuo ou por três vidas), e assim compensará inserir melhorias no terreno, seja com a plantação de árvores ou a construção de edifícios, uma vez que terá garantido tempo de vida útil para amortizar o investimento. Tanto mais que o aforador estava autorizado a vender ou alugar o terreno de que dispunha.

Fontes:
(1706-1741). Livro dos defuntos, dos baptizados e dos casados – Raposa (Sto. António).
(1722). “António Roiz Carta de Confirmação de Emprazamento”, Chancelaria de D. João V, livro 63, fol. 97 a 103.
VENTURA, António Gonçalves (2007). A “Banda D’Além” e a Cidade de Lisboa durante o Antigo Regime: uma perspectiva de histórica económica e regional comparada. Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.  

terça-feira, 19 de maio de 2015

António Roiz e Maria Cordeira – um casal da Ribeira de Muge no séc. XVIII – Parte I: Família

Os assentos paroquiais constituem uma privilegiada forma de conhecer as sociedades de séculos passados. Quem eram os mais importantes, mortalidade, deslocações entre localidades, compadrios. Por ser uma paróquia muito isolada e rural, talvez não houvesse todo o empenho e brio nos assentos da Paróquia de Santo António da Raposa que outras terão. Contudo, também conseguimos através destes, fazer algumas leituras da sociedade do séc. XVIII nesta freguesia do médio curso da Ribeira de Muge.

Já nos detivemos em Leonarda Maria e no casal Diogo Vieira e Maria Nunes. Hoje poderemos apresentar um outro casal: António Roiz (ou Rodrigues) e Maria Cordeira. Contudo, os registos sobre estes são de tal ordem, que decidimos criar uma série de publicações sobre os mesmos.

À semelhança de outros, não temos acesso ao registo de casamento de António Roiz e Maria Cordeira. Deduzimos que já seriam casados em 1711, quando nos surge o assento de batismo de um rapaz seu filho. Contudo, não podemos sequer afirmar que este seria o seu filho mais velho, visto que os assentos de batismo, que tenhamos conhecimento, só começaram a ser efetuados nesse mesmo ano, sendo esse o segundo do livro.

Em 1515, mais precisamente a 19 de agosto, morre António Roiz Manzorro, morador no Moinho dos Gagos (onde também vivia António Roiz e Maria Cordeira), sendo sepultado na Igreja de Santa Maria de Marvila, em Santarém. O assento menciona que este era casado com Maria Cordeira. Sabemos que estamos a falar de dois “António Roiz” diferentes, uma vez que o principal deste artigo estará vivo até aos anos 30 do séc. XVIII. Podemos então perguntar-nos se seriam familiares. Pai e filho? Tio e sobrinho? Primos? Outro pormenor interessante é o nome da mulher de ambos: Maria Cordeira. Será uma confusão do padre? Ou será que existiram mesmo duas “Marias Cordeiras”, casadas com um António Roiz que viveram no Moinho dos Gagos neste período? Mais à frente voltaremos a esta questão.


Esquema Genealógico dos Descentes de António Roiz e Maria Cordeira, tendo por base os registos paroquiais. Construído com a tecnologia My Heritage.

Dos assentos de batismo, casamento e óbito conseguimos determinar que António Roiz e Maria Cordeira tiveram cerca de nove filhos. De alguns só temos um registo, de outros temos vários e de outros temos dúvidas se serão ou não seus filhos. De qualquer forma, ficam os principais dados de cada um deles:

1. António Rodrigues: batizado em 1711, foram seus padrinhos João Nunes e Maria Roiz. Casou-se em 1737 com Maria Marques (da freg. De Vale de Cavalos), e vivia na altura na Várzea Redonda.

2. Maria: foi batizada em 1712, morando a família no Moinho dos Gagos. São mencionados como padrinhos António Roiz e Maria Cordeira. Perante isto, podemos levantar duas questões: ou se trata de um erro do padre, que repetiu o nome dos pais e padrinhos, e estes apenas deveriam estar num dos lados, ou efetivamente existiam dois casais a morar no mesmo local, com o mesmo nome. Será esta Maria filha de António Roiz e afilhada de António Roiz “Manzorro?”, ou vice-versa? Esta problemática levanta-nos o problema de não conseguirmos afirmar com certeza se será filha do “António Roiz” em questão, visto que até este é o único registo em que surge.

3. Vitorina: É batizada a 11 de novembro de 1714, morando a família no Moinho dos Gagos e sendo os seus padrinhos (João Roiz e Maria Madalena) moradores na Vila de Santarém. É o único registo seu de que temos conhecimento.

4. Domingas: É batizada em 1716, quando a família ainda vivia no Moinho dos Gagos, sendo os seus padrinhos os mesmos do seu irmão António. Neste assento é mencionado que estes viviam nos “Passos dos Negros”. Falecerá em 12 de novembro de 1734, quando a família já vive no Moinho dos Passos dos Negros.

5. Merenciana Rodrigues: Não temos conhecimento do seu assento de batismo. Sobre esta, sabemos que foi madrinha de batismo com o seu pai de uma menina, Maria, filha de Tomé e Maria Dias, em 1715. Todos estes eram moradores no Moinho dos Gagos. Será ainda enquanto a família de António Roiz morar ainda neste local que irá morrer Merenciana, a 10 de outubro de 1716. Esta será sepultada dentro da Igreja Paroquial de Santo António da Raposa "ao canto do altar, da parte direita", o que denotará alguma da importância que António Roiz e a sua família teriam no contexto da vida social da região na época, por ter sido sepultada num local de maior destaque.

6. Manuel António de Faria: Este filho de António Roiz e Maria Cordeira não deixa de ser intrigante, uma vez que o seu apelido em nada se ajusta ao dos pais. Apesar de não termos conhecimento do seu assento de batismo, é mencionado como padrinho várias vezes, com a sua mãe (em 1722 e 1729, sendo claramente aludido em ambos os registos que os padrinhos eram filho e mãe). É também padrinho de batismo com a sua irmã Páscoa como madrinha em 1728 e 1731; em 1724 com Giomar Lopes, cuja residência não é mencionada, mas cremos que não teria nada a ver com a família de António Roiz. A 11 de fevereiro de 1732 irá casar-se com Micaela Maria da Conceição, do Casal das Caneiras (freguesia da Lamarosa). Possivelmente ter-se-á mudado para este local (ou outro fora da paróquia), uma vez que deixa de surgir nos assentos paroquiais a partir desta data.

7. Juliana Rodrigues: Desta filha de António Roiz e Maria Cordeira sabemos que se casou a 8 de junho de 1722, quando a família vivia no Moinho dos Passos dos Negros, com Francisco Dias, do Junquinho (freguesia do Chouto). Foi testemunha do seu casamento João Nunes, morador no Passo dos Negros, e que já houvera sido padrinho de batismo de alguns dos seus irmãos. Apenas temos conhecimento do assento de óbito de uma das suas filhas, Maria, a 10 de maio de 1740, sendo que nesta altura vivia com o seu marido no Moinho dos Passos dos Negros. Esta morreu com os sacramentos da confissão e da extrema-unção, pelo que podemos inferir que já não seria uma criança; foi enterrada "na segunda sepultura junto ao caminho da parte da pia baptismal". Dois meses depois, a 27 de julho, o casal será padrinho de uma outra Maria, filha de António Vicente e Maria Nunes, moradores no Moinho dos Gagos.

8. Josefa Maria: à semelhança de alguns dos seus irmãos, não temos conhecimento da sua data de batismo. Apenas sabemos que é madrinha de batismo juntamente com o seu pai em 1723, 1725 e 1727 dos filhos de João Nunes e Maria Roiz. Ambas as famílias já tinham estabelecido relações de compadrio entre si anteriormente a estes batismos. Viviam os Roiz no Moinho dos Passos dos Negros e os seus compadres nos Passos dos Negros (em 1723) e no Arneiro da Volta (em 1725 e 1727). Sabemos também que Josefa Maria se irá casar em 19 de janeiro de 1729 com José Gonçalves, de Alpiarça, vivendo ainda no Moinho dos Passos dos Negros. Seria este José Gonçalves um trabalhador do Paço? Com efeito, por via dos assentos de batismo em que o casal é padrinho, assim como de alguns dos seus filhos, é mencionado que eram moradores nos “Passos dos Negros” (entre 1731 e 1736, num total de seis assentos). Foram os seus filhos batizados em 1731 (Maria), 1733 (Anástacio), 1734 (Maria), 1736 (António). Terão mais duas filhas (ambas Catarina), batizadas em 1737 e 1739, quando o casal já morava no Monte da Vinha. Temos registo do óbito de uma das “catarinas”, em 1739).

9. Páscoa Rodrigues: Desta filha de António Roiz e Maria Cordeira sabemos que foi madrinha por quatro vezes, com o seu pai (em 1729 e 1731), o seu irmão Manuel António Faria (1731) e com João Nunes (em 1734). Será neste mesmo ano que irá morrer, a 15 de novembro de 1734, apenas três dias depois da sua irmã Domingas. Fruto de uma epidemia viral, doença contagiosa ou simplesmente coincidência?

Fontes:
(1706-1741). Livro dos defuntos, dos baptizados e dos casados – Raposa (Sto. António).